segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

 
 
Um amigo uma vez disse que minha vida era mais interessante que minha arte.  Nunca mais esqueci e sempre me pergunto o que é o quê? Se eu vivo artisticamente ou se minha arte é viva eu realmente não sei. Parece estranho delimitar essas fronteiras. A criação, geralmente, vem de algo de que te atormenta, que te deixa em êxtase, que te provoca, que te instiga ... eu duvido das encomendas, prefiro expressões que deixam, mesmo timidamente, um rastro de sangue, uma dúvida. Durante esses últimos anos me debrucei sobre minhas querelas e dores, paguei e pago uma conta alta por optar em viver intensamente sem anestésicos. O mundo e as pessoas ao meu redor tomaram outras dimensões e densidades, o buraco ficou mais profundo e o tempo cruel. Me pergunto se foram as mudanças que me tornaram assim   ou se foi o peso das minhas histórias?  E são tantas ...me dá até ansiedade em querer escrevê-las. Não sei se concordam mas depois de um certo tempo na vida ficamos mais nostálgicos, olhamos para o passado como algo perseguido e desejado e sempre estamos comparando nossas responsabilidades de ontem com as de hoje. O passado é bom mas o presente ainda melhor, por muito tempo vivi dessa maneira mas algo aconteceu que não consigo me livrar das minhas memórias. Talvez seja um momento de se defender mais, pois o corpo já não é o mesmo como o corpo inflamado da juventude que tudo suporta, tudo interessa e deseja. Depois dos 30 é preciso fazer escolhas mais criteriosas, mais consistentes e de maior permanência, queremos mais qualidade nas relações à qualquer aventura. Os amigos que resistiram ao nosso lado, serão eles os maiores amigos de uma vida inteira, e preferimos nos dedicar e preocupar com eles a sair por aí enchendo a cara com qualquer um. Outra sensação; por estarmos mais vulneráveis a essa avalanche de informações do nossa contemporaneidade sempre estamos diante de uma roleta russa de emoções. Os segundos passaram a ser mais valorizados, é o tempo suficiente para saber quantos refugiados foram mortos, qual manifestação acontecerá, qual evento a participar e quantos amigos e conhecidos também curtem como você aquela informação. Você já se perguntou quantas pessoas passaram pela sua vida?
Você habita universos de pessoas dentro si e isso é fascinante. A arte é um artifício para falar da vida mas ela está contida dentro da vida...  Para perpetuar sendo um artista é preciso entender os momentos de voltar para a realidade em que precisamos saber cobrar, escrever, planejar, ensaiar e vender nossos projetos. Acho que é assim que muitos poucos artistas conseguem se manter. Sempre tive dificuldades em ganhar dinheiro, não foi por falta de trabalho ou dedicação, talvez pela dificuldade em me encaixar em padrões de comportamento, regras, limites, atingir metas, ser um perfil que executa tarefas, estar subordinado a alguém.  Ouvi algumas vezes que era um espírito livre... mas acho que há diferenças entre liberdade e impulsividade. De fato, não consigo viver representando algo que de fato não faz parte de mim.  Mas, ao contrário, sei que na criação artística isso já é possível. A arte está na representação dos papeis sociais que desempenhamos, a arte está através do olhar sensível e delicado que nos emociona, a arte está nas imagens do cotidiano enfadonho, a arte está nas buscas de outros sentidos para nossa existência, a arte está nas inúmeras mortes a que somos submetidos, a arte está entre a língua e todas as vísceras, a arte está como cura, como rebeldia e loucura, a arte está para a vida assim como a vida está para a arte.  Quem sabe a morte um dia separe obra e vida? Quem sabe o fim tenha um nome preciso mais preciso para isso que chamamos de arte?