quarta-feira, 13 de maio de 2020

Damas


Início de maio 2020

Dois aposentados, velhos amigos,  quase todos os dias se encontram na praça para jogar dama.
Justino é viúvo há pouco tempo. Ele sempre tem roupas bem passadas e pisantes lustrados, seu cabelo é usualmente penteado para trás. Carrega no bolso um daqueles pentes de plástico comprados em armarinhos de coisas antigas. Percebe-se que o objeto é gasto mas ele sempre faz questão de limpá-lo. Acompanhado do seu pente, no bolso de trás da calça carrega um lenço também bem passado e engomado. Gosta de vestir com um pulôver cinza, calças de alfaiataria passadas com friso, cintos ajustados. Gosta de usar colônia de alfazema e relógio de pulseira metálica também ajustado no pulso.

Sebastião é casado com Tininha, a merendeira da escola. Se veste com certo desleixo. As sandálias de couro amassadas pelos calcanhares rachados e encardidos. As calças sempre estão caídas para baixo do rego da bunda, mostrando as curvas dos quadris quando as partes de cima são sopradas contra o vento. Nem sempre está de cinto. Gosta de camisas mais largas. Os óculos quase na ponta do nariz  parecem terem grau em demasia para seu tamanho de rosto. Os cabelos são curtos não rentes ao cocuruto mas de tamanho suficiente para estarem sempre desalinhados como se acabasse de levantar da cama. A dentadura às vezes aparece em sílabas na boca entreaberta dos fonemas.
 Os dois velhos amigos tem lugar garantido na praça, as chegadas são sempre por volta das 9:00 da manhã. Sebastião é um ganhador do jogo, quase invicto, poucas vezes Justino o superou.
Justino é o primeiro a chegar. Sebastião só aparece depois de tomar uma média na lanchonete do Rocha na esquina da praça. Justino sempre o espera ancorado na placa de proibido estacionar, lendo o jornal popular distribuído gratuitamente. Tem dias que o amigo sai do bar sem a média mas com uma branquinha na cabeça. Nesses dias já sai gritando da lanchonete:
   - “ A vida é boa mas não presta”!
Justino do lado de lá da rua, só abana os braços e responde.
“Ohh maldito! Rapadura é doce mas não é mole não!
 Os dois caem na gargalhada.
Sebastião quando se aproxima é sempre palavras aleatórias que saem, como se encontrasse alguém íntimo mas com o protocolo dos cumprimentos de cavaleiros.
E numa fungada de respiro curto

---- OHhh bom sô!!!!
Justino sempre se queixa alegre que o amigo não o convida para o melhor momento do dia.
Os dois descem pelos canteiros centrais da praça em direção a mesa de cimento com tabuleiro pintado. É Justino quem carrega a sacolinha de pano preta com as peças do jogo. Os dois ajeitam a calça para sentar, sempre um de frente para o outro.
    Justino e Sebastião conversam sobre família, contam causos e sempre falam de seus desejos e sonhos.
Sebastião sempre reclama do mundo de hoje, diz que seria bom mesmo é dar no pé da cidade, ir para outro canto do mundo.... Justino acompanha o desejo do amigo, reclama da solidão e diz que não falta muito pra partir para uma melhor....



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